PALAVRAS EM FOCO

Poemas, músicas, frases, política, educação, ética, filosofia, psicologia, arte, cinema, teatro, diversão,viagens, textos e outras palavras...

sábado, 5 de março de 2011

QUASE

Mário de Sá Carneiro
Um pouco mais de sol — eu era brasa.
Um pouco mais de azul — eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador d'espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho — ó dor! — quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim — quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
— Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... —
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

...........................................
...........................................

Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

(Paris, 13 de maio de 1913)





Amigo de Che Guevara de viagem de moto falece em Cuba

Amigo de Che Guevara de viagem de moto falece em Cuba

Nascido na Argentina, Alberto Granado estava com 88 anos.
Viagem pela América Latina foi retratada em 'Diários de motocicleta'.

Da France Presse
 
O bioquímico argentino Alberto Granado, amigo que acompanhou Ernesto Che Guevara em uma viagem de motocicleta por vários países da América Latina, faleceu "repentinamente" neste sábado em Havana aos 88 anos, afirmou o telejornal local.
"Na manhã de hoje, aos 88 anos, faleceu nesta capital repentinamente o companheiro Alberto Granado, amigo íntimo do Comandante Ernesto Guevara", afirmou o comunicado lido por um locutor.
Os restos mortais de Granado serão expostos durante duas horas e meia em uma funerária de Havana neste mesmo sábado e, "atendendo à sua vontade", serão cremados e suas cinzas espalhadas por Argentina, Cuba e Venezuela.
"Fiel amigo de Cuba, contribuiu para a formação de profissionais da medicina e da genética" em Cuba, onde se fixou desde março de 1961.
"Petiso", como era chamado por Che, o acompanhou em uma longa viagem de moto de 29 de dezembro de 1951 a 26 de julho de 1952, peregrinação levada ao cinema pelo brasileiro Walter Salles em "Diários de motocicleta", filme vencedor de um Oscar em 2005.


Partiu de Alberto Granado a idéia de viajar pelo continente sul-american.
 Há anos ele sonhava com a viagem, mas até então não tinha tomado nenhuma iniciativa. Sua família considerava "a viagem de Alberto" como uma fantasia. No entanto, com quase 30 anos de idade, Alberto convidou Ernesto para a aventura. 
O jovem Che, então com 23 anos, estava cansado da rotina de aulas e prova da faculdade de medicina e aceitou na hora.


A idéia de contar a história do jovem Ernesto Guevara, anos antes dele se tornar o "Che", partiu do produtor executivo Robert Redford, que chamou o brasileiro Walter Salles, diretor/escritor de Central do Brasil e Abril despedaçado, para dirigir o filme. 

Na história, dois jovens estudantes argentinos, o bioquímico Alberto Granado (Rodrigo de la Serna) e o médico Ernesto Guevara (Gael Garcia Bernal) decidem conhecer a América Latina numa viagem de 8 mil quilômetros, de Buenos Aires até Caracas. Montados em uma motocicleta Norton 500, modelo 1939, carinhosamente apelidade de "La Poderosa", os amigos partem pelo continente que não conhecem nem mesmo dos livros, já que em sua juventude foram apresentados na escola às culturas européias, mas nunca aos seus ancestrais sulamericanos. 
Diarios de motocicleta é uma viajem de autodescobrimimento em  que se esboçam as orígens de um coração revolucionário.

Todo mundo tem um filho favorito?

Simone Tinti

Sua primeira resposta (e a da maioria dos pais)certamente será “não, claro que não”. Mas para a terapeuta norte-americana Ellen Weber Libby, que tem dois filhos, toda mãe e todo pai tem, sim, o seu predileto.
Os irmãos Corinne, 27 anos, e Mark, 22, sempre se provocam mutuamente sobre quem é o “queridinho” da família. E até hoje reclamam para os pais quando acham que um está sendo mais favorecido do que o outro. Não conheci Corinne e Mark pessoalmente, mas posso imaginar as cenas. Afinal, quem nunca presenciou um diálogo desses em família? Tudo o que vi desses dois irmãos foi uma foto deles adultos, que na verdade não tinha nada demais: eles estão elegantes para uma festa, ao lado da mãe, dando muita risada, felizes. Ela é a terapeuta norte-americana Ellen Weber Libby, que me enviou a foto para eu conhecê-los melhor, e não resistiu em tirar um sarro, mas do tipo saudável, claro. “Como você pode ver, os dois estão se divertindo comigo e ambos acreditando ser o tal ‘filho número 1’.”
Psicoterapeuta há mais de 30 anos em Washington, Estados Unidos, a questão de se existe ou não um filho favorito sempre fez parte de suas principais reflexões. E essa curiosidade culminou no lançamento de The Favorite Child, How a Favorite Impacts Every Family Member for Life, (ou O Filho Favorito – Como um Favorito Impacta Cada Membro da Família para a Vida, em tradução livre, da editora Prometheus Books, e ainda sem previsão para lançamento no Brasil). Nele, pesquisas e histórias, muitas histórias – que vão desde casos ouvidos em seu consultório até a infância de ex-presidentes norte-americanos.
Logo nas primeiras páginas, a autora afirma o que os pais não admitem nem para a sua sombra: toda família tem um filho favorito. E Ellen não chegou a essa conclusão só por uma briga ou outra dos filhos, ou por causa de algumas famílias observadas: ela foi tão longe no assunto que a razão para escrever sobre o tema veio de personagens ilustres, como políticos que se deitaram em seu divã. Acostumada a ouvir secretários de governo, embaixadores e até agentes do serviço secreto em seu trabalho, ela percebeu que grande parte deles cresceu como o número 1 da casa – assim como aconteceu com todos os ex-presidentes dos Estados Unidos desde Roosevelt, incluindo o atual, Barack Obama. Depois de reunir tanta pesquisa, o grande “estalo” para escrever o livro veio com o escândalo de Bill Clinton e a ex-estagiária Monica Lewinsky, em 1998. “Fiquei pensando no motivo de ele ter preparado tamanha armadilha para a sua carreira e percebi que, como filho favorito de sua mãe, Clinton cresceu acreditando que as regras não se aplicavam a ele, e que conseguiria se livrar dessa situação”, afirma Ellen em entrevista exclusiva à CRESCER. E quem se perguntar sobre o nosso famoso ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, temos uma suspeita: segundo a historiadora Denise Paraná, biógrafa e autora de A História de Lula – O Filho do Brasil (Ed. Objetiva), podemos dizer que Lula foi criado nas condições de filho favorito. “A mãe depositou nele toda a chance de ascensão social da família. Ele foi o último filho homem e o único que estudou e trabalhou ao mesmo tempo. A expectativa era que ele ‘desse certo’.”
Se o objeto de estudo de Ellen é um tanto distante para você, saiba que entender o favoritismo não é mesmo tão simples. Tem mais a ver com as expectativas e necessidades do pai e da mãe do que com as características de cada criança. Ah, e acredite: ter um filho favorito não significa que você o ama mais do que os outros!
O número 1 pode ser o que preenche todas as características imaginadas ainda na gravidez: será que vai ser médico? Vai ter os olhos do pai? Ou cabelos encaracolados como os da mãe? Pode, ainda, acontecer com a primeira menina depois de uma sucessão de meninos, ou se a criança for a que carrega o nome do avô. Quando cresce, o preferido é aquele que escuta seus conselhos ou que não perde uma partida de futebol com você no fim de semana. “Tem a ver com o momento de cada família, com a personalidade dos pais ou com valores transmitidos. É inconsciente”, diz Maria Luisa Castro Valente, psicóloga e professa da Unesp de Assis (SP). E a afirmação de que o favoritismo não representa o amor? Para Ellen Libby, os pais podem amar todos os filhos e ainda assim favorecer um deles. Já a psicóloga Vera Lucia Lotufo Belardi, da Unifesp (SP), tem outra explicação. “O que acontece é que os filhos têm personalidades distintas, e são parecidos ou com o pai ou com a mãe. É uma questão de identificação, e não de quem gosta mais de quem”, afirma. 



sexta-feira, 4 de março de 2011

Escola de samba de SP diz que Lula vai mesmo desfilar



Blog do Reinaldo Azevedo 04/03/2011, 12:31

Escola de samba de SP diz que Lula vai mesmo desfilar

No Globo Online:
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é esperado nesta sexta-feira para desfilar no Sambódromo paulista, pela escola de samba Tom Maior, a segunda escola a abrir o primeiro dia dos desfiles das escolas de samba paulistas. A assessoria de Lula diz que a sua participação no carnaval de São Paulo depende da agenda de compromissos. Mas na escola, a diretoria confirma a presença do ex-presidente e já separou para ele e sua mulher, Marisa Letícia, um espaço no carro alegórico que representa a indústria automobilística.
O enredo da Tom Maior este ano é em homenagem à cidade São Bernardo do Campo, cidade do ABC paulista onde Lula mora e onde surgiu para o cenário político. O prefeito Luiz Marinho (PT) e o seu vice Frank Aguiar são presenças confirmadas no desfile. Haverá uma ala com 200 pessoas amigas de Lula.
A assessoria de Lula diz que o ex-presidente deve permanecer em São Paulo durante todo o carnaval. Depois das festividades carnavalescas, Lula vai inaugurar seu Instituto da Cidadania, onde vai trabalhar em seus projetos políticos.
Durante dois dias (sexta e sábado), desfilarão as quatorze escolas de samba do Grupo Especial.
Por Reinaldo Azevedo
 Comentário deste Blog:
Ele nunca vai sair do palanque, ou do palco, ou de qualquer lugar em possa estar sempre aparecendo e com destaque. Não estou criticando, mas penso que ele tem o seu valor, tem carisma e luz própria. Só não podemos descuidar nem um segundo do ex-metalúrgico e sindicalista,  pois num piscar de olhar ele se tornará o novo caudilho da América Latina. O hermano Hugo Chaves que se cuide !!!

quinta-feira, 3 de março de 2011

"O que há em mim é sobretudo cansaço"

 Fernando Pessoa

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço... 




Hoje decidi postar o poema que mais me tem acompanhado ao longo da vida.
É como sinto.Cansada.


Sociólogo culpa pressões, imprensa e direita

Sader diz que discorda "frontalmente" de posições da nova gestão do Ministério da Cultura

Guilherme Freitas

Pouco após a divulgação da nota em que a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, cancelou sua nomeação para a presidência da Fundação Casa de Rui Barbosa, Emir Sader publicou um comunicado em seu blog, no site da revista "Carta Maior" (), atribuindo a decisão à pressão da imprensa e a suas divergências com a administração do MinC. No texto, Sader diz que seu projeto de fazer da Casa um polo de debates sobre o Brasil contemporâneo, anunciado em entrevista ao GLOBO em 5 de fevereiro, desagradou a "setores que detiveram durante muito tempo o monopólio na formação da opinião pública", que "reagiram com a brutalidade típica da direita brasileira".

O sociólogo também criticou o MinC por ter "assumido posições das quais discordo frontalmente, tornando impossível para mim trabalhar no ministério, neste contexto". Embora não cite essas posições na nota, Sader manifestou, na mesma entrevista à "Folha de S. Paulo" em que chamou a ministra de "autista", divergências quanto à postura do MinC sobre propriedade intelectual e os Pontos de Cultura.

Sociólogo e cientista político formado na Universidade de São Paulo (USP) e atual diretor do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), onde também é professor de sociologia, Sader é um acadêmico de presença constante no cenário político nacional. Ligado ao Partido dos Trabalhadores (PT), ele foi um dos principais articuladores do evento "Cultura com Dilma", que, na reta final da campanha presidencial do ano passado, reuniu centenas de artistas no Teatro Casa Grande, no Rio, para um ato de apoio à então candidata do PT. Foi também um dos idealizadores do manifesto entregue a Dilma na ocasião, com mais de seis mil assinaturas.

Sader é autor, coautor ou organizador de quase cem obras, como "Latinoamericana - Enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe", obra de referência de 1.406 páginas publicada em 2006, e "Século XX, uma biografia não autorizada: o século do imperialismo", além de diversos livros sobre marxismo.

Na nota divulgada em seu blog, Sader diz que sua intenção era de também fazer da casa, além de seu perfil atual de centro de pesquisas, um "espaço de debate pluralista sobre temas do Brasil contemporâneo, um déficit claro no plano intelectual atual". Na entrevista ao GLOBO em fevereiro, Sader defendia que o governo adotasse políticas culturais que "consolidem na cabeça das pessoas as razões pelas quais o Brasil está melhor". Depois da decisão da ministra, o sociólogo afirmou que desenvolverá o projeto "em outro espaço público, com todas as atividades enunciadas e com todo o empenho que sempre demonstrei no fortalecimento do pensamento crítico e na oposição ao pensamento único".

Ontem, antes da divulgação da nota da ministra, Sader publicara em seu blog outro texto, intitulado "Pensamento crítico contra pensamento único", no qual elogia intelectuais como Marilena Chauí, Maria da Conceição Tavares e Leonardo Boff, entre outros, que, segundo ele, desenvolvem "formas distintas de pensamento em uma lógica oposta aos dogmas do pensamento único, que continua a orientar a velha mídia".

Sader critica "consenso furioso da velha mídia"
No artigo, Sader diz que seu projeto para a Casa foi prejudicado por veículos de imprensa "que apoiaram a ditadura, foram perdendo leitores, credibilidade, viabilidade, foram sendo abandonados pelos jovens, pelos que preferem o pensamento crítico ao pensamento único".

"Todas as agressões que me reservam, eu as recebo como condecorações ao pensamento crítico. Não tive medo da ditadura, de processos que tentaram me silenciar, resisti, como tanto outros, a toda essa engrenagem e saímos vitoriosos, com a vitória do Lula e da Dilma. Grave seria se me exaltassem", continua Sader. No Twitter, o sociólogo criticou o "consenso furioso da velha mídia": "Eu não mereço tanta deferência assim da mídia. Se dedicam tanto a me criticar pelo medo que o seu pensamento único tem do pensamento crítico", escreveu.

Como é que uma imprensa que se autoproclama "modelo para o país" vai desqualificar a indicação de um renomado professor, Emir Sader, um dos mais respeitáveis intelectuais do Brasil, apenas porque ele tem postura ideológica divergente da linha editorial do jornal? Depois a Folha de São Paulo faz propaganda dizendo que "acolhe os vários tipos de visão".

quarta-feira, 2 de março de 2011

FERNANDA TORRES - Rivotril

Não sei se o homem das cavernas tinha mais ou menos ansiedade que um sedentário de meia-idade


NUNCA FUI corajosa. Depois do nascimento dos meus filhos, o instinto de preservação quintuplicou minha covardia latente. Lutei contra a natureza por quase 20 anos, mas a maternidade me venceu por completo.
Li com inveja e espanto a notícia de uma mulher que desconhece o medo. A síndrome de Urbach-Wiethe destruiu sua amígdala, uma estrutura em forma de amêndoa situada no fundo do cérebro, e desarmou seus alertas internos de proteção e perigo.
Seria isso uma benção ou uma danação?
O fim do ano de 2010 foi especialmente difícil para mim e os meus. Mortes na família, doenças graves, decisões urgentes e infecções sorrateiras culminaram no funil esperançoso de Natal e Ano-Novo. O resultado foi um temor angustiado que virou o ano de mãos dadas comigo e se recusou a voltar a um nível tolerável depois de passadas as festas.
O processo ansioso, cego e insistente, o choro que alimenta o choro, levou muitos amigos a me aconselharem uma visita a um psiquiatra. O nome que mais ouvi, antes mesmo do telefone de um especialista, foi o do milagroso Rivotril. A panaceia me foi descrita como um unguento milagroso, capaz de cortar a sinistrose pela raiz.
Em "O Erro de Descartes" (Companhia das Letras, 336 pág., R$ 63), Antônio R. Damásio faz uma advertência contundente a respeito do uso indiscriminado de antidepressivos. Segundo o neurologista português, abrir mão da tristeza é dar adeus a uma das poderosas armas evolutivas responsáveis por manter a raça humana em estado de atenção. Anular a dor seria uma solução tão estranha quanto desligar o radar para não sofrer com a antecipação da tempestade.
Eu não sei se o homem das cavernas, correndo diariamente o risco de ser devorado por uma besta-fera, tinha mais ou menos ansiedade do que um sedentário de meia-idade que assiste às infindáveis hecatombes cotidianas pela TV. Talvez a luz elétrica e o computador tenham nos trazido mais frustrações do que amparo, talvez as paúras de uma vida tão afastada da feroz mãe natureza só se aplaquem mesmo mediante o uso de medicamentos, não sei.
Eu sempre desconfiei das bulas reguladoras do humor; do humor, do sono e do apetite. E foi com tal desconfiança que me dirigi à psiquiatra, uma mulher inteligente de quem ouvi uma explicação bastante convincente para os efeitos benéficos que um antidepressivo, ou um ansiolítico, poderiam me trazer.
O cérebro é um órgão dotado de uma impressionante capacidade de se remodelar. Graças à essa plasticidade, nos recuperamos de derrames graves, aprendemos a tocar instrumentos e agimos com rapidez diante de situações-limite. Os neurônios acionam novas sinapses, criam vias alternativas, ligam e religam circuitos conforme a necessidade.
Mas a persistência de um estado melancólico, por exemplo, potencializa determinadas correntes neurais, fortalecendo uma rede funesta que impede o surgimento de novas saídas para o espírito. Como um rio sobrecarregado em uma enchente, a força das águas foge ao controle da própria vontade e deságua na chamada depressão.
O remédio interditaria o pessimismo vicioso e daria chance ao cérebro de se rearticular. Convencida a derrubar a fundação do muro das lamentações, experimentei o famoso Rivotril pela primeira vez, adiando a investida no antidepressivo.
Passei três dias sonolenta e algo abobalhada, evitei dirigir. No terceiro dia, desestimulada e apática, achei que estava pior que antes. Decidi não recorrer ao medicamento na quarta noite e tive dificuldade para dormir. Quando cogitei tomar uma gota do elixir para ir ao encontro de Morfeu, os sinos de emergência badalaram soltos sob a pele.
Nunca tive problema de sono. Qualquer droga, lícita ou ilícita, que mexa com esse metabolismo me arrepia os cabelos. Fritei no lençol até cinco da matina. Passei o dia seguinte imprestável e, no outro, depois de uma noite bem dormida e sem sedativos, acordei refeita.
O Rivotril me ajudou. Ele agiu como um elefante branco que a gente põe na sala e, no dia que tira, sente um alívio inaudito; mas não resolveu. Sem o auxílio da farmacêutica, recorri a um amigo que insiste em estar vivo há mais de 74 anos.
"Finja! Crie um personagem e finja ser ele", me disse Domingos Oliveira. "Quem enfrenta a realidade enlouquece, a única saída para a sanidade é uma dose de alienação. A arte é a única saída possível."
Não foi bem pela arte. Meu escapismo atendeu pelo nome de Fernando de Noronha. O mar, os bichos marinhos, o sol e a natureza agreste reverteram violentamente os fluídos da minha psique.
Bem que a psiquiatra avisou que uma ação desse tipo também poderia dar certo.

Fernanda Torres, Folha de São Paulo, 05/02/2011


                                                                                                                            

                                                        

Demissão de Galliano leva luz aos problemas de estilitas com álcool e drogas

Dior demite Galliano após comentários racistas




 Estilista John Galliano (centro) chega com seu advogado Stephane Zerbib (esq.) para prestar depoimento em uma delgacia de polícia em Paris. 28/02/2011)


A saída de John Galliano como diretor criativo da Christian Dior coloca um fim a uma louca viagem fashion, na qual graça, glamour e choque, em medidas iguais, fizeram a marca parisiense conservadora saltar à frente tanto em imagem quanto em sucesso financeiro.

A Dior disse em uma declaração na terça-feira que está dando início ao processo legal para demissão de Galliano, o estilista de 50 anos cujos desfiles de moda românticos e teatrais revitalizaram a alta costura, após acusações de insultos antissemitas embriagados em Paris.


Uma coleção controversa em 2000, inspirada em moradores de rua, com casacos feitos impecavelmente com costuras abertas, contrastava com os românticos vestidos de noite exibidos em um jardim de rosas no Bois de Boulogne.


Apesar de o estilo Dior ter frequentemente origens históricas, atualizando o famoso New Look de 1947 do fundador Christian Dior, Galliano adicionou uma sensualidade, perversidade e às vezes um lado sombrio subjacentes. O equilíbrio podia ser entre a elegância refinada de um vestido com corte enviesado e força das roupas de ficção científica da coleção de 1999, que injetaram o espírito do filme “Matrix” em Versalhes.


Fascinado por história, apesar de recentemente estar se afundando em referências ao passado, Galliano em sua melhor forma fazia referência a mulheres exoticamente elegantes, como a hostess parisiense Misia Sert, ou a marquesa Luisa Casati, como pintada por Giovanni Boldini.


Cada coleção era meticulosamente pesquisada, frequentemente com visitas a lugares distantes, e desenvolvida em um livro de referência feito à mão, da forma como Galliano foi treinado no Central Saint Martins College of Art and Design em Londres. Sua primeira coleção, ao se formar em 1984, foi inspirada pelos “Les Incroyables” do período revolucionário francês.


Em 1995, Galliano foi contratado pela Givenchy; menos de dois anos depois, ele se mudou para a Dior. Ambas as marcas, assim como a própria de Galliano, são de propriedade da LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton, o maior grupo de artigos de luxo do mundo, comandado pelo empreendedor Bernard Arnault.


Nascido em Gibraltar, de mãe espanhola, a imaginação de Galliano e sua capacidade de transformar ideias em chapéus extravagantes ou calçados delicados o transformaram em um alto cigano –em parte por causa de seus cachos soltos e aparições fantasiadas teatrais ao final de cada desfile.


As colaborações com outras pessoas criativas, como o chapeleiro Stephen Jones, que era capaz de transformar cada capricho, desde caça à raposa até Madame Butterfly, em um chapéu, transformaram os desfiles da Dior em tesouros artísticos. Outras coleções prêt-à-porter mais acessíveis abrandavam o drama e o forte apelo sexual, ajudando a marca Dior a quebrar a barreira do um bilhão de dólares.


Os amigos de Galliano, que só falaram sob a condição de anonimato, disseram que eles finalmente persuadiram o estilista com problemas a ingressar imediatamente em uma clínica de reabilitação –e que o ritmo atual da moda, particularmente a estrutura rigorosa de uma marca corporativa, quebraram o criador frágil e artístico.


Apesar das declarações vis, vistas saindo dos lábios bêbados de Galliano no vídeo pela Internet, merecerem a condenação quase universal que receberam, há comoção na visão de um dos mais famosos –e mais bem pagos– estilistas do mundo sozinho, se agarrando à bebida. A pressão da moda veloz e da era de Internet instantânea de criar coisas novas constantemente já esgotou outros nomes famosos. Marc Jacobs, o diretor criativo da Louis Vuitton, acabou na reabilitação. Calvin Klein famosamente reconheceu o abuso de substâncias. E o falecido Yves Saint Laurent passou uma vida inteira combatendo seus demônios.


Acima de tudo, o suicídio de Alexander McQueen, quase exatamente um ano antes da desgraça pública de Galliano, paira sobre a indústria da moda. A morte por parada cardíaca do principal colaborador de Galliano, Steven Robinson, em 2007, também enviou um primeiro sinal de alerta.


A maioria dos estilistas, preparando suas coleções para a Semana da Moda de Paris, pediu para não ser citado para publicação.


Mas a designer de joias da Dior, Victoire de Castellane, resumiu o sentimento geral quando disse: “É terrível e patético ao mesmo tempo. Eu nunca imaginei que ele tivesse esses pensamentos dentro dele. Ou que precisasse tanto de ajuda”.


Apesar de não ter sido publicamente confirmado, um colega de Galliano disse que o estilista lutaria contra sua demissão da Dior com o advogado de Londres, Gerrard Tyrrell, da Harbottle and Lewis, que representou a modelo Kate Moss em 2005, quando ela foi acusada de uso de cocaína.


Tradução: George El Khouri Andolfato
 Suzy Menkes,  em Paris (França).


terça-feira, 1 de março de 2011

CASA DE EDITH PIAFF À VENDA POR UMA FORTUNA


CASA DE EDITH PIAFF À VENDA POR UMA FORTUNA
Casa, no Sul da França, à venda por 15 milhões de reais

Edith Piaf, a grande dama da canção francesa, é uma daquelas artistas cuja vida, iniciada na extrema pobreza, é um verdadeiro “vale de lágrimas”. Ainda menina, foi abandonada pela mãe, uma prostituta parisiense. Morou uns tempos com o pai, artista de circo, até que, aos 15 anos, já cantando, deixou tudo e foi morar sozinha.

A sua vida, até o final, foi um grande drama: teve uma filha, que morreu com dois anos de idade; perdeu o grande amor de sua vida em um acidente de avião; e uma dor crônica fez com que abusasse durante anos de morfina, o que ajudou a antecipar a sua morte. Faleceu em 11 de outubro de 1963, aos 47 anos, no mesmo dia que o seu grande amigo, o escritor Jean Cocteau.

Edith Piaf comprou a casa de mais de 200 anos, que agora está a venda por cerca de 7 mil euros, algo em torno de 15 milhões de reais, nos anos 50 e lá viveu até a sua morte. Seu corpo, levado para Paris, foi acompanhado por uma multidão poucas vezes vista na capital francesa. Até hoje, o seu túmulo, no famoso cemitério Pére Lachaise, recebe milhares de visitas de fãs de todas as partes do mundo.

É sempre bom ter uma desculpa para ouvir esta que foi uma das maiores cantoras da França de todos os tempos. 
Non, je ne regrette rien é uma canção composta em 1956, com letra de Michel Vaucaire, e melodia de Charles Dumont. Foi gravada a primeira vez por Édith Piaf em 10 de novembro de 1960.
Piaf dedicou sua gravação à Legião Estrangeira, pois estava atuando, na época, na Guerra da Argélia (1956-1962).
 

CONTEÚDO LIVRE - ZUENIR VENTURA - AMAR O TRANSITÓRIO

ZUENIR VENTURA - Amar o transitório

Carpe diem é uma expressão latina presente numa ode do poeta Horácio, da Roma Antiga, e que ficou popular no fim dos anos 80 por causa do filme "Sociedade dos poetas mortos", de Peter Weir, em que funcionava como lema do personagem interpretado por Robin Williams.
Quem viu não esquece aquele professor de literatura carismático que subverteu a caretice de uma escola conservadora, exaltando a liberdade e a poesia, e ensinando seus alunos a pensar por si mesmos. Carpe diem significa "aproveite o dia de hoje", ou seja, desconfie do amanhã, não se preocupe com o futuro, não deixe passar as oportunidades de prazer e gozo que lhe são oferecidas aqui e agora.

Neste texto, o conselho não tem nada a ver com a proximidade do carnaval. Ou pode ter, mas essa não é a intenção. Ele me foi lembrado por um amigo numa conversa em que lamentávamos algumas ameaças à saúde que atingiram pessoas queridas. Em proporções mais dramáticas, era um pouco daquilo que Ronaldo Fenômeno resumiu na sua emocionante despedida. Como as dele, eram derrotas para o corpo. Trapaças que ele apronta na forma de um tombo traiçoeiro ou do defeito de uma peça do nosso mecanismo.

Falávamos de quanto tempo se perde com bobagens que nos aborrecem além da conta, deixando passar momentos preciosos como, por exemplo, uma dessas nossas luminosas manhãs que nenhuma
outra cidade consegue produzir com igual esplendor. Desprezamos por piegas as emoções singelas e vivemos à espera das ocasiões especiais, de um estado permanente de felicidade, sonhando com apoteoses e sentindo saudades do passado e até do futuro, sem curtir o presente. Só quando surge a perspectiva da perda é que damos valor a deleites simples ao nosso alcance, como ler um bom livro, ouvir uma boa música, ver Alice sorrir, assistir a "O discurso do rei", ver o "Sarau", de Chico Pinheiro, receber o afago de leitor(a), voltar a andar no calçadão, beber uma água de coco ou admirar o pôr do sol no Arpoador. Foi depois desse papo de exaltação hedonista que meu amigo concluiu que, como o destino nem sempre avisa quando vai aprontar, urge curtir enquanto é tempo — carpe diem. O grande poeta pernambucano Carlos Pena Filho, que morreu aos 31 anos num acidente de carro, em 1960, disse mais ou menos o mesmo num dos mais belos sonetos da língua portuguesa, "A solidão e sua porta", que termina assim:

Lembra-te que afinal te resta a vida
Com tudo que é insolvente e provisório
E de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório.